Louvados sejam Nosso Senhor Jesus Cristo e sua Mãe a Virgem Maria, Senhora Nossa. Tudo bem com vocês?
A 9 de abril de 1888, o
carmelo de Lisieux, na França, abria as suas portas para aquela que um dia
seria a padroeira das missões: Teresa Martin, ou Teresinha do Menino Jesus,
como é popularmente venerada no Brasil. Coincidentemente, nesse mesmo dia se
celebrava a Solenidade da Anunciação, que, como neste ano de 2018, havia sido
transferida de 25 de março por causa do Domingo de Ramos. A própria santa é
quem nos narra a grandiosidade daquele momento, “que é preciso ter passado por
ele para saber o que ele é”, no seu Manuscrito A, da História de uma
alma (69v):
Minha emoção não se
traduziu exteriormente; depois de ter abraçado todos os membros da minha
família querida, pus-me de joelhos diante de meu incomparável Pai, pedindo-lhe
a sua bênção; para me dá-la ele mesmo se pôs de joelhos me abraçou
chorando… Era um espetáculo que devia fazer sorrir os anjos aquele desse
ancião apresentando ao Senhor sua filha ainda na primavera da vida! Alguns
instantes depois, as portas da arca sagrada se fechavam sobre mim e lá eu
recebia os abraços das irmãs queridas que me tinham servido de mães e que ia
doravante tomar como modelos de minhas ações. Enfim meus desejos estavam
realizados, minha alma sentia uma paz tão suave e tão profunda que me seria
impossível exprimi-la e desde os sete anos e meio essa paz íntima permaneceu
sendo meu quinhão, não me abandonou no meio das maiores provações. (grifos
nossos)
A entrega heróica de
Teresinha à vida religiosa coloca-nos diante de uma verdade: nós nascemos para Deus. Não há outro meio ou lugar
onde o ser humano encontre a felicidade autêntica senão na realização total da
sua vocação cristã. De fato, a maior parte de nós nunca terá a chance de
ouvir “as portas da arca sagrada” se fecharem sobre nós, como ouviu Teresinha.
Todavia, podemos imitar a sua entrega por meio do cumprimento heróico do nosso
estado de vida, fazendo tudo o que está a nosso alcance por amor a Deus e à
Igreja.
Para cumprir o seu
chamado, Teresinha descobriu um caminho inteiramente novo, uma pequena
via, que pode ser igualmente percorrida por cada um de nós. Trata-se
de um caminho pelo qual nos tornamos ofertas de amor a Deus nas pequenas coisas
do dia a dia.
A “pequena via” de Santa
Teresinha é, deveras, uma redescoberta original do Evangelho, o que lhe rendeu
o título de “doutor da Igreja”. No resumo de sua tese sobre a espiritualidade
da pequena santa, o padre Conrado de Meester fala que esse “novo caminho”
nada mais seria que uma resposta a uma “indagação vital” de todo ser humano,
motivo pelo qual Teresinha “conseguiu causar um eco na Igreja bastante
universal” (2018, p. 74).
Mas como foi que Teresa
de Lisieux fez essa descoberta?
Teresinha entrou no
Carmelo com apenas 15 anos de idade. Aos 16, seu pai caiu doente, após uma
infecção causada pela picada de uma mosca. A doença levou o senhor Luís Martin
à demência, a ponto de ele pegar em armas, durante um delírio, para defender as
filhas num suposto fronte de guerra. Com medo de um acidente mais grave, a
família achou por bem interná-lo numa clínica.
A situação provocou os
comentários da cidade, que responsabilizou Teresinha pela doença do pai. É
claro que isso causou graves constrangimentos ao coração da pequena santa, de
modo que ela foi, aos poucos, descobrindo uma maneira de entregar-se a Deus
nesse sofrimento. Após a morte do pai, em 1894, quando tinha ela já 21
anos, Teresinha finalmente entendeu a “pequena via” da santidade, lendo algumas
citações bíblicas do Antigo Testamento, que encontrara nas anotações de sua
irmã Celina, recém-chegada ao Carmelo. A descoberta foi uma verdadeira eclosão
de amor, o passo decisivo para a sua entrada na sétima morada, que ocorreu na
festa da Santíssima Trindade, em 1895.
A “pequena via” ajudou
Teresinha a entregar-se como verdadeiro holocausto de amor pela salvação das
almas. É incrível que, sem jamais ter lido Santo Tomás de Aquino, ela
tenha entendido que o que santifica as almas não é a grandiosidade dos atos,
mas a intensidade com que cada ação é praticada, de maneira que uma
pequena ação pode converter-se numa grande declaração de amor a Jesus e ao
próximo.
A intuição de Teresinha
levou-a a apresentar-se à misericórdia divina com as mãos vazias. Vendo-se
pequena e incapaz de qualquer mérito, olhando para os grandes santos e
enxergando a sua miséria, ela simplesmente recorreu ao amor misericordioso de
Cristo para que Ele mesmo realizasse a sua santificação. “O elevador que
deve elevar-me até o Céu”, dizia Teresinha, “são vossos braços, ó Jesus” (Manuscrito
B, 3v).
Na verdade, Teresinha
apenas compreendeu que o amor perfeito é o amor misericordioso. Afinal de
contas, Deus deseja almas de mãos vazias para que Ele possa derramar-se
inteiramente sobre elas. Ele não quer ser obrigado a amar por justiça, a
gratificar-nos segundo nossos méritos. Ele quer derramar-se de uma maneira
inteiramente gratuita e inesperada, deseja entregar-se totalmente, de modo que
Teresinha via que não precisava mais crescer, mas permanecer pequena (cf. Manuscrito
B, 3v).
Essa espiritualidade de
Teresinha produz a virtude da humildade e da magnanimidade.
Colocando-nos humildemente aos pés de Deus, com as mãos vazias, admitimos nossa
miséria e incapacidade para todo bem. Por outro lado, confiamos que nossa
santificação é obra de um Outro, o qual não pode inspirar desejos irrealizáveis.
Por isso, caminhamos na certeza de que Deus nos quer no Céu e, se
correspondermos a Sua graça, um dia poderemos contemplá-lo face a face na
eternidade.
Como um pequeno
passarinho nas mãos de Deus, aproximemo-nos, portanto, da Sua misericórdia para
que sejamos tão grandes quanto a humilde Teresinha do Menino Jesus.
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Referências
Conrado de Meester. De
mãos vazias: A espiritualidade de Santa Teresinha do Menino Jesus. Petrópolis:
Vozes, 2018.
Teresa de Lisieux. História
de uma alma: nova edição crítica por Conrado de Meester. 4ª. ed. São
Paulo: Paulinas, 2011.
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