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quarta-feira, 29 de maio de 2019

ORAÇÃO | ASCÉTICA CRISTÃ | PARTE II

2. «Orar sem cessar»

O problema que tem atormentado a espiritualidade oriental se resume nesta interrogação: Como orar sem cessar? Como ser, não somente um homem que participa cada domingo da Eucaristia, mas ser um homem eucarístico, segundo o preceito paulino citado anteriormente? Não somente um homem que santifica o tempo orando segundo um símbolo solar, um símbolo do dia e da noite, nas principais "horas" da jornada, senão um "homem litúrgico" capaz de santificar cada instante.

Os grupos de monges "acématas" se sucediam no coro para que a salmodia não se interrompesse jamais. Isto porém, não constituía uma solução pessoal.

Uma boa resposta é fazer tudo no sentimento da presença de Deus, sob seu olhar, com gratidão para com ele e atenção para com próximo. "Em todo pensamento e ação pela qual a alma rende culto a Deus, ela está com Deus", disse Macário, o Grande. A Oração incessante, segundo São Máximo, o Confessor, "é ter o espírito aplicado em Deus, numa grande reverência e num grande num amor... contar com Deus em todas as nossas ações e em tudo o que nos sucede."

Um dos interlocutores do Peregrino Russo explica-lhe, que a oração interior é a celebração mesma do universo e da vida, o impulso que leva todas as coisas à plenitude e à beleza, e que corresponde ao homem desvelar esse universal gemido do espírito. Tenho escutado o Padre Dimitrius Staniloaé responder à mesma pergunta, que é necessário receber o mundo como um dom de Deus, e que nós em uníssono, restituímos-lhe imprimindo nele o sinal de nosso amor criador.

Tudo isto é verdade, tudo é importante. Porém, se não se quer permanecer nas boas intenções, nas profundas, porém passageiras intuições, é necessário um instrumento que permita pôr tudo isto em prática. Tal instrumento é a "oração de Jesus".

"No Vigésimo Domingo depois da Trindade", escreve o Peregrino, "entrei na Igreja para orar. Lia-se a passagem da Epístola aos Tessalonicenses onde se diz: 'orai sem cessar'. Essas palavras penetraram profundamente em meu espírito, e me perguntei, como é possível orar sem cessar, quando cada um tem que ocupar-se de determinados trabalhos para subsistir." Então se pôs a caminho, começou sua peregrinação.

Todo destino cristão é uma peregrinação para "o lugar da oração" - de onde o Senhor nos espera e para onde nos atrai . Os caminhos seguidos no espaço não fazem mais que expressar, que facilitar, por meio dos encontros e irradiações, as intercessões que encontremos ali este caminho interior. Busca-se ao homem, aos homens, que nos darão as "palavras de vida". que nos despertarão ao que nos é mais interior, tão próximo e, não obstante, tão distante. O Peregrino russo busca incansavelmente, recebe respostas parciais, encontra muitas pessoas que o fazem avançar em si mesmo, até o "coração consciente "mas não recebe uma resposta decisiva até que descobre um "starets", isto é, um "ancião", no sentido espiritual da palavra.

No Oriente cristão - e no Oriente em geral - ama-se a morte, transparente à outra luz. Uma civilização na qual já não se ora é uma civilização que, às vezes, carece de sentido. Marcha-se aos empurrões para a morte, imita-se a juventude, é um espetáculo desgarrante porque - ainda que se oferece uma possibilidade prodigiosa através do último desapego - mesmo assim, não se aproveita. Temos necessidade de anciãos que orem, que sorriem, que amem com amor desinteressado, que se maravilhem; só eles podem mostrar aos jovens que vale a pena viver; que o nada não tem a última palavra. Todo monge no qual a "ascesis" deu fruto, é chamado no Oriente, qualquer que seja sua idade, um "belo Ancião". É belo com a beleza que sobe do coração. As etapas da vida se harmonizam, se sintonizam, poderia-se dizer. E, sobretudo, o original é re-encontrado: branco com uma brancura transfigurada, o "belo ancião" tem olhos de criança.

O Peregrino encontrou um desses anciãos. "Entramos em sua cela e me dirigiu as seguintes palavras: 'A oração de Jesus, interior e constante, é a invocação contínua e ininterrupta do Nome de Jesus, por meio dos lábios, do coração e da inteligência, no sentimento de sua presença em todo lugar e em todo tempo, inclusive durante o sono. Ela é expressada por estas palavras: 'Senhor Jesus Cristo, tem piedade de mim'. Aquele que se habitua a esta invocação recebe um grande consolo e recebe também a necessidade de dize-la sempre. Ao final de algum tempo, já não poderá viver sem ela e, por si mesma, ela brotará nele, não importa onde, não importa quando.

O "Senhor Jesus Cristo", ou "Senhor Jesus Cristo, Filho de Deus" - diz-se sobre a inspiração. O "Tem piedade de mim" ou, as vezes "Tem Piedade de mim, pecador" - é dito sobre a expiração. Isto se faz com abandono, por amor.

Na tradição beneditina antiga empregava-se, da mesma maneira, as palavras de um salmo: "Senhor, vem em minha ajuda, apressa-te em me socorrer". A Igreja antiga utilizou muito, para orar, o "Senhor, tem piedade", "Kyrie Eleison" (o sentido é mais rico que o da piedade; implica também doçura, ternura, misericórdia...)

Hoje mesmo, no ofício monástico e paroquial ortodoxo, recita-se quarenta vezes seguidas o "Kyrie Eleison". Esta última fórmula convém melhor para os iniciantes, os penitentes. É necessária já uma certa familiaridade com a oração para introduzir nela o nome de Jesus. Não existe, porém, regras. A penitência, como veremos, dura até a morte. E o mistério da Cruz e a descida de Cristo aos infernos permite, desde o começo, a audácia do amor.

3. O Estado Metânico

O caminho para o "lugar do coração" implica três grandes etapas que, mais que se reunir, sucedem uma à outra. A primeira é a metanóia, o arrependimento. A segunda é a unificação extática do homem no crisol da Graça. A terceira é a participação na luz "tabórica", nas energias divinas, graças ao encontro pessoal com Cristo, diante do Pai, no Reino do Espírito. Esta luz é já a da Nova Jerusalém. Cada vez que um homem se abre a esta luz, termina para ele este mundo e já tem início o mundo novo. Os monges estão chamados a saturar a Criação de Parusia e a acender a fogueira na madeira morta das coisas.

Tudo o que nós, os leigos, podemos fazer de verdadeiro, de bom e de belo na sociedade e na cultura, tomará lugar no reino, graças a esta brecha escatológica que eles abrem, que eles constituem.

A primeira etapa - e base das outras duas - é, por conseguinte, a etapa do arrependimento, a práxis, a ação ascética. Para o Oriente cristão que não gosta da oposição e que permanece pudico e quase secreto, nos confins da vida espiritual não existe oposição entre a ação e a contemplação. A Ação suprema é a obra da oração. Quem se dedica à práxis ascética é o único verdadeiramente ativo. As obras, "ações" humanas, são muitas, freqüentemente, o resultado gesticulante de uma grande passividade interior, de uma submissão inconsciente às paixões individuais ou coletivas.

"O arrependimento" -disse Santo Isaac, o Sírio - "convém sempre e a todos, ao pecador como ao justo." E acrescenta: "Até o momento da morte, o arrependimento não terá terminado em sua duração nem em suas obras." Os maiores ascetas, como Sisoes, o Grande, afirmam em seu leito de morte: "Não tenho consciência de ter começado a me arrepender". Os monges, sabendo que Sisoes estava gravemente doente, reuniram-se em torno de sua cabeceira para obter dele uma última mensagem. Não obtiveram outra, esta, porém, era a decisiva.

Nesta atitude de arrependimento, a oração de Jesus é essencialmente a do publicano do Evangelho: "Senhor, tem piedade de mim, pecador". Diz-se-lhe freqüentemente - quando se é possível, longe de todo olhar - com grandes ou pequenas prostrações, que se chamam de "metânias " (é a mesma palavra que significa arrependimento).

Esse arrependimento tem um sentido profundamente pessoal e ontológico, antes que moral. Metanóia vem de "Meta" que sinaliza uma mudança e de "noeo" que significa nossa apreensão, individual ou coletiva, do real. A consciência, quando separada do coração, está abandonada aos impulsos da natureza e às hipnoses da cultura. Não cessa de projetar sobre a criação de Deus, ontologicamente boa (como diz o Gênesis: "E Deus viu que tudo era bom"), o que os espirituais chamam de "uma teia de aranha" um "sonho", uma quimera, fazendo-se assim cúmplice dos artifícios do "pai do engano". Aqui, inclusive, é necessário entender "engano" no sentido pessoal e ontológico, ou melhor, "anontológico"; a liberdade sublevada, descarrilada assegurando ao nada uma espécie de existência paradoxal: "Sereis iguais a deuses", sem Deus, o homem chegará a ser pequeno deus de si mesmo e do mundo, será rei sem ter necessidade de ser sacerdote e de oferecer o mundo em eucaristia. É a si mesmo que oferecerá ao mundo! Em nossa civilização que se precipita para o domínio do mundo, porém, que segundo a expressão de Michel Serres, ignora "o domínio do domínio". Quanta necessidade temos de homens que aceitem ser humildemente os sacerdotes do mundo, humilde e realmente como os monges.

Por outro lado, em nossa época, a asfixia espiritual do homem se inscreve maciçamente na História. seguramente na história política, onde se coloca a sede do absoluto de tantos seres cuja vida não tem outro sentido em meio a desintegração da matéria e a destruição do que os cerca.

Fiz Santo Isaac, o Sírio: "Este mundo, não é o mundo de Deus, senão a ilusão dos homens. este mundo é uma expressão que engloba aquilo que chamamos de as paixões". As "paixões" no sentido ascético, são a desnaturalização desse impulso de adoração que constitui a natureza profunda do homem. Se esse impulso não encontrar em Deus seu cumprimento, irá devastar as realidades contingentes, idolatrando-as e odiando-as simultaneamente, pois espera a revelação do Absoluto que elas não poderiam aportar (de forma duradoura ao menos, pois tudo tem sabor de absoluto, porém para ser salvo, não para salvar.)

O homem quer esperar tudo de uma nação, de uma ideologia, da arte, do amor humano. Quer esquecer o nada que atualmente o submerge por inteiro, ampliando sua prisão pela vontade de poder, por uma ternura desesperada, as drogas, as técnicas de êxtases. Se desloca furiosamente na imanência, mudando de terra prometida, terminando por gritar: viva a morte! Desdobrando-se, desagregando-se, num um jogo fatal de espelhos, até que surja, como nas novelas de Dostoievsky, o "alter ego diabólico", o "duplo luciferino". O homem se converte em idólatra de si mesmo, diz Santo André de Creta em seu Cânon Penitencial: e no fundo desta idolatria, está o ódio de si, a nostalgia do aniquilamento, a vertigem "gelada" do suicida . É o que Máximo, o Confessor, chama de a "Philautia", "Princípio e Mãe" de todas as paixões. Que é, traduz Vladimir Lossky, "ipseité" luciferina, [...] curvatura do mundo ao seu redor, dilatação da própria finitude na imanência, até que o ódio e a morte tenham a última palavra, ciclos sem fim de desejo, ou "Eros" ligado em parte com"Thanatos". Impulso de ser que faz surgir o nada. Título banal da crônica judiciária: "Amava-a tanto e a assassinei".

A metanóia é a revolução "copernicana" que faz que o mundo gire, não já ao redor de mim e do nada, senão de Deus Amor, de Deus feito homem, que me pede, que me permite "amar ao próximo como a mim mesmo". A metanóia me faz tomar consciência das ramificações da árvore do nada, em minha própria vida, como na história tortal dos homens. Não se trata de uma "culpabilização " mórbida em torno de uma concepção farisaica do pecado, senão de uma tomada de consciência desse estado de separação de vida "morta", de exacerbação do nada, estado no qual somos realmente "culpáveis por tudo e por todos". Compreendo então o que tem sido, em todo o seu alcance, por longo tempo insuspeitados, meus verdadeiros pecados. Então também, como vemos no destino dos grandes monges, o arrependimento precede o pecado, um pecado que, provavelmente, não será cometido materialmente, jamais. Pensai nas palavras de Cristo quando se lhe leva a mulher surpreendida em flagrante delito de adultério, a quem a lei ordena apedrejar: "Que aqueles que jamais pecaram atirem a primeira pedra". E todos se afastaram.

Cristo recordou simplesmente a universalidade desse estado de separação que se encontrava de algum modo concentrado no destino dessa mulher. O verdadeiro monge é aquele que toma a consciência desse estado no que "todos são culpáveis por todos". Desaloja as potências "deífugas", o "duplo demoníaco": dali, as visões demoníacas que encontramos nos antigos relatos. O espiritual obriga aos demônios a objetivar-se, a fazer-se exteriores (o que eles são realmente desde que a graça do batismo os tirou do abismo do coração) os esmaga pela força de Cristo vencedor de seu "príncipe", de seu principio, triunfador sobre o inferno e a morte.

Não se tem sublinhado suficientemente que a aproximação apofática do mistério, no Oriente cristão, é uma aproximação "metânica". Se tomais os maiores textos da Teologia apofática, por exemplo, as Homilias sobre a incompreensibilidade de Deus, de São João Crisóstomo ou os capítulos gnósticos de São Maximo, o Confessor, vereis que a exigência de adorar ao Deus vivente, sempre mais além, "Hypertheós", mais além das imagens, dos conceitos, dos nomes, mais além inclusive da Palavra Deus, tal exigência se acompanha infalivelmente com um chamado ao arrependimento. Somente o temor, o tremor, a morte ante si mesmo, [...] podem permitir voltar nossa inteligência para o Inacessível.

Esse "estado metanóico" se converte necessariamente em "recordação da morte", no forte sentido de uma "anamnésia". "Salvemo-nos sem cessar, tanto quanto possível, da morte", escreve Hesiquio de Batos que comenta: "Tal recordação entranha, a exclusão de toda vã preocupação. O cuidado do espírito e a oração constante, o despreendimento do corpo, o ódio ao pecado; em verdade, toda virtude ativa nasce dele. Pratiquemo-la, tanto quanto possível, tal como respiramos.

A lembrança da morte não é a da morte biológica em si (pois esta é também uma misericórdia de Deus), senão o estado espiritual que a morte biológica simboliza e sela (e a qual também põe fim). Essa recordação da morte é descobrir que se está, desde agora, na morte; que nossa existência é uma "vida morta" (a expressão é de São Gregório de Nissa) com uma dimensão infernal. O grande "duelo" dos monges no Oriente cristão, está ligado a uma Teologia experimental da queda. O starets Silvano escreveu admiráveis "lamentações de Adão", ante o inacessível Paraíso. Se examinamos a arte e a literatura de nossa época, temos a impressão de uma análoga lamentação que não se quer reconhecer, lamento desgarrante do niilismo, atravessado por um riso de zombaria e por vãs fugas.

A investigação de nossa época sonda o nada desde a perspectiva do nada, enquanto que, a recordação ascética da morte, não somente faz lugar a Deus senão que se converte em recordação da ressurreição.

A Teologia apofática não exige somente um estado metânico. Culmina na grande antinomia apofática, e esta se inscreve numa práxis de ressurreição. Deus, mais além de Deus, se revela como o Crucificado; e o Crucificado triunfa sobre a morte e o inferno. A separação entre Deus e o homem se identifica misteriosamente com a ferida do lado aberto pela lança, donde brotaram água e sangue, o batismo, a Eucaristia, a Igreja. A Igreja é a noite que se faz luminosa.

O abismo infernal entre o criado e o incriado se converte, em Cristo, em união bem aventurada do criado e do incriado, a divino-humanidade. Do lado traspassado de Deus Crucificado se levanta a aurora do Espírito. Doravante, em Cristo, o espaço da morte se converte em espaço do espírito, a densidade da angústia em densidade da fé; e, pela fé, a luz divina invade o homem.

Assim , a memória da morte se transforma em "memória de Deus", em memória do Deus que se deixa apreender pela morte para consumi-la e oferecer-nos a ressurreição. Se os monges do Oriente insistem tanto sobre o duelo e a consciência do estado de morte, não é pra fechar-se nela, senão para encontrar nela Cristo, para ressuscitar com ele.

Seria necessário aqui todo um tratado dos vícios e das virtudes, não no sentido moral, senão no sentido ascético, que procura através da livre fé do homem as modalidades de sua participação nas energias divinas. Toda "virtude", com efeito, é a manifestação humana de um atributo divino e constitui, analogicamente, diz São Maximo, o Confessor, um aspecto de desvelamento escatológico do Verbo encarnado. Fico feliz em recordar e comentar brevemente a oração de Santo Efrén, o Sírio, muitas vezes recitada durante os ofícios da Quaresma:

«Senhor e Mestre de minha vida»

Esta oração, essencialmente penitencial (e que se diz em três grandes metanias) começa pela afirmação da transcendência do Deus pessoal, de Deus Vivente, em uma atitude de fé. A fé é o ponto de partida da escada das virtudes, da que a esperança designa o movimento ascensional, que culmina no amor. Deus é Deus, eu só existo por sua vontade; Ele é a fonte de minha vida:

... «afasta de mim o espírito de preguiça, de batimento, de domínio, de vãs palavras»

Este pedido enumera os "vícios" maiores, cuja raiz e princípio é justamente a "preguiça". A palavra significa o esquecimento levado até um verdadeiro sonambulismo, a opacidade, a insensibilidade ante o mistério, o que a Filocalia, com o Evangelho, denomina a "dureza do coração" (e, muitas vezes seu "peso"). Esse estado de insensibilidade espiritual engendra o "abatimento"; no limite o desgosto de viver, a desesperança, o abandono ao vazio, todas manifestações de um niilismo que alcança em nossa época a importância de um fenômeno histórico: época, de crianças mimadas que querem tudo imediatamente e que, rapidamente, se desencantam e se abandonam à vertigem do nada.

As "vãs palavras" designam, não só na vida cotidiana, as palavras que "coisificam" o outro e o fazem infinitamente distante, - definitivamente tarefa de assassino - senão mais largamente, todo exercício do pensamento e da imaginação que se subtrai das forças do coração e que se converte em um jogo autônomo da vontade de poder ou dos fantasmas.


... «concede a mim , teu servo, um espírito de integridade, de humildade, de paciência e de amor.»



Eis aqui o movimento das virtudes; a fé, fundamento, é recordada em primeiro lugar: o homem é um "servidor". A "integridade" sintetiza o conjunto: ela evoca a unificação da existência no re-encontro com o Deus vivente e o próximo, a subida na fé, a esperança e o amor, tanto da inteligência como de toda outra força vital.

A humildade é a inscrição concreta da fé no cotidiano, a expressão da revolução copernicana que nos arranca à "philautia" para devolver a Deus sua distância e sua proximidade. Para os Padres népticos, é a virtude fundamental, propriamente evangélica, a atitude que distingue o publicano (cujas palavras são retomadas na "oração de Jesus") do fariseu, infinitamente virtuoso, porém tão pouco sensível à Graça, à gratuidade da salvação.

São João Clímaco recorda vigorosamente esta força paradoxal da debilidade: "Não jejuei, não velei, não tenho orado, não tenho descansado sobre o solo, porém me humilhei e o Senhor me salvou".

Da fé e da humildade nascem a paciência. A paciência é a humildade em ato.

Tal como esta expressa a fé, da mesma forma, a paciência está animada pela esperança. É o contrário do abatimento, que provém do desejo de ter tudo imediatamente. É a gratidão pelas migalhas que caem da mesa do festim messiânico. É, sobretudo, uma confiança total quando Deus se retira, quando seus caminhos parecem incompreensíveis. Os Padres invocaram muitas vezes "a paciência de Jó". Jó retira, recusa, os arrazoamentos teológicos, porém, uma vez tendo contestado Deus, não o nega, permanece com Ele, sabe que alguém o busca através da experiência mesma do mal radical.

Aquele que ama, "dá sua vida por seus amigos". Não busca o domínio, senão o serviço. Esvaziando-se de si mesmo para deixar lugar para Deus, abre-se ao outro, recebe sem julgar, discerne a pessoa mais além de seus "personagens" que ele exorciza em silêncio. Faz brilhar a verdadeira vida.
... «Sim, Senhor e Rei, concede ver meus pecados e não julgar meus irmãos,
pois Tu es bendito, pelos séculos dos séculos. Amém.»

O último pedido que fecha a oração sobre uma bênção, recorda as condições do amor: "ver seus pecados" e "não julgar". "Ver seus pecados", faz entrar na exortação primeira do Evangelho: "Arrependei-vos, pois o reino de Deus está próximo". O homem toma a medida de sua separação e de seu orgulho. Abre-se à alegria do Reino. Doravante, já não tem outro espaço para existir, senão na misericórdia de Deus. "É mais difícil ver seus pecados que ressuscitar mortos", dizem os Padres nepticos. Em verdade, ver seus pecados, é entrar na ressurreição dos mortos. Por ali se chega a ser aquele que é capaz de receber o outro como a um irmão, sem julgar-lhe. Devo tudo a Deus - para parafrasear uma petição do Pai-Nosso - e o outro nada me deve, tudo é graça; ele mesmo é graça, ele é meu irmão, eu não o julgo; sou julgado e a Cruz é o Juiz do Juiz e o "Senhor é bendito pelos séculos dos séculos".

A Oração de Santo Efrém resume o jejum: que não é só de alimento para o corpo, mas também das imagens (e isto não é fácil em nossa "civilização de espetáculo), das paixões, do desejo de dominar e de julgar os outros.

Através desta sobriedade de todo o ser, pela qual o homem aprende a viver, não dos alimentos da imanência (físicos, porém, também psíquicos senão de "toda a palavra que brote da boca de Deus", não é um masoquismo mórbido o que se instaura, senão uma real liberdade: "Sê rei em teu coração; reina com altura, porém com humildade [...]

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